
-Como prefere o café?
-Com leite, mas sem a nata.
-Não gosta da nata?
-Essa coisa branca, nojenta e que fica boiando em cima do café? Isso que quando você toma fica grudada na boca e te faz sentir ânsia de vomito?
-Entendo, você não gosta.- Ele pega um palito e o leva a boca.- Acho engraçado quando fala dessa forma.
-Como assim?
-Você poderia dizer que não gosta, entretanto...
-Não é o suficiente dizer que não gosto.
-Como assim?
Ela leva o cotovelo direito a mesa, sua outra mão percorri o bolso da calça, ouve o som das moedas e as segura em seguida. -Gosto do leite, mas não gosto da nata, se você me entregar uma caneca de café com leite, sem a nata, eu bebo, caso contrario não. - Coloca as moedas sobre a mesa e começa a contar-las lentamente.
Ele a observa, desvia o olhar, não por temer que ela o perceba naquele momento, mas por não querer olhar-la agora. Há um cão na rua, está cheirando um saco de lixo, tentando com o focinho e as patas violá-lo ele respira lentamente, pensa em controlar a respiração para melhorar. Agora o cão parece também observá-lo. -Mesmo assim você poderia simplesmente dizer “Com leite, sem a nata.”
-Sim eu poderia, assim como eu poderia beber a nata que não gosto, mas não o faço. É simples não gostar de algo, basta simplesmente não gostar. Mas ter a capacidade de explicar o porque de não gostar de algo e ainda fragmentar o “não gostar” em uma justificativa é diferente.
-Pode me dar um exemplo?
Ao abandonar as moedas o ombro dela parece cair. -Amo a liberdade.
-Certo.
-Mas não amo estar livre, não ter uma referência, alguém por quem eu abriria mão do que prefiro, é algo que me incomoda
-Ama ser livre, mas não ama estar livre.
-Sim.
-Onde entra a liberdade nisso?
-Quando estou com alguém preciso de liberdade.
-Como?
Ela parece pensar -Não sei. Não quero falar sobre isso.- O outro sorri. -Não é engraçado.
-Entendi o que você quis dizer. Posso até te oferecer um exemplo.
A garota da um ultimo e longo gole no café, o vapor sobre por entre seus olhos e acaricia sua testa. Ela olha para a carteira de cigarro tentando deter o impulso de sair daquele lugar.
-Amo a distância.- A voz dele estava tremula.- Mas não o distanciamento. Distância é algo que controlamos, medimos e acompanhamos. Mas o distanciamento, esse vem sorrateiro, senta ao nosso lado, finge segurar nossa mão e sussurra no nosso ouvido o que podemos viver em outro lugar. E antes mesmo de termos partido de onde estamos, já não estamos lá. O distanciamento não é físico, ele é qualquer coisa em nós, mas jamais será sinônimo de distância. Embora ambos sejam fruto da mesma coisa.
A carteira de cigarro esta em suas mãos, ela solta a caneca e pela primeira vez tenta observa-lo de maneira atenta aquela tarde.
-De que coisa elas são fruto?
-Promete não rir de mim?- Ela faz que sim com a cabeça.- Eu não sei.
Ela olha para a rua, o cachorro os observa do outro lado. Mas ela não vê.
-Não estou presa a você. Estou livre.
Ele se levanta, coloca o casaco desajeitadamente e sorri.
-Você esta livre. E distante de qualquer coisa que possa ser dividir algo com alguém.- Ele a observa e sorri.- Tem nata presa na sua boca.
Um comentário:
eu te amo!
a garota no café....
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