
É possível fazer um paralelo entre o filme Preciosa, com outro filme a ser lançado ainda esse ano no Brasil, O Ponto Cego, ou como as distribuidoras traduziram de forma genérica Um Sonho Possível.
Ambos trazem como personagens centrais jovens negros norte-americanos que vivem em situação de pobreza extrema. Mas enquanto o burocrático e ainda assim “redondinho”filme do diretor John Lee Hancock se revela como um veículo para a atuação burocrática e ainda assim “redondinha” de Sandra Bullock (em um efeito semelhante ao atingido por Julia Roberts em Erick Brockovich) Preciosa se constitui como uma história profundamente trágica e honesta embalada por momentos líricos de fuga da realidade por parte de Preciosa em busca de paz. Nestes escassos momentos, como quando ela conversa com fotografias, lembrei brevemente de Amélie Poulain. O filme ainda apresenta trechos do filme italiano Duas Mulheres de 1960 (e assistir Mo'Nique transvestida de Sophia Loren e dizendo para a filha algo próximo de “come cagna” é no mínimo engraçado... bom ai ela come aquele prato e as coisas voltam a ficar tristes).

A protagonista Claireece ‘Precious” Jones (interpretada pela estreante Gabourey Sidibe) é uma garota de 16 anos, semi-analfabeta, negra, obesa em sua segunda gestação. Sua primeira filha, chamada carinhosamente por ela de “Monga” por ser portadora de Síndrome de Down, é criada pela avó e só a visita em sua casa quando sua mãe precisa lubridiar as assistentes sociais para continuar recebendo seu auxílio do governo. No mesmo apartamento vive seu pai, personagem cujo rosto jamais é mostrado e que sempre aparece entre sombras, sabemos logo no inicio do filme que ele é o responsável pelas duas gestações de Preciosa. Já sua mãe, interpretada de forma indefectível pela apresentadora e comediante Mo'Nique, se revela um dos personagens mais assustadores e trágicos retratados pelo cinema recentemente. Ao ter que lidar com o fato de que seu amado homem prefere fazer sexo com sua filha ela demonstra desprezo extremo por Preciosa, a agredindo fisicamente e psicologicamente, explorando-a para que faça as atividades domésticas e usando-a também como garantia para recebimento de auxílio do governo. Tanta animosidade culmina em uma cena de selvageria pura onde mãe quase assassina filha e neto com uma televisão(!).
O filme muda sensivelmente de tom quando Preciosa é matriculada em uma escola de educação alternativa onde começa a ter aulas com a Sra. Rain (Paula Patton), ao assistir as aulas e ser alfabetizada ela começa a construir sua auto-estima. A personagem de Paula Patton merece um adendo, é gratificante presenciar a retratação de uma personagem homossexual de forma tão sensível e real sem soar estereotipada. Entretanto o encaminhamento para uma nova escola não implica em melhora, muito pelo contrário, coisas ainda piores ocorrem a Preciosa, entretanto pela primeira vez ela encontra apoio com sua professora, amigas de classe e em si mesma para enfrentar as situações.
Preciosa é um filme que antes de qualquer coisa deve ser apontado como audacioso. Ao tratar de temas como racismo, incesto, pobreza, violência doméstica intra-familiar e estrupo jogando-as na cara do expectador sem perguntar se ele está pronto para digerir ou não aquelas situações ele não apenas se recusa a fazer um pacto de passividade com o espectador, mas ainda lhe pergunta “De onde tirei isso tem mais, você quer?”. Em um período onde filmes Hollywodianos estão mais preocupados com o retorno de bilheteria e aprovação do público e menos com o comprometimento artístico e político de uma fita Preciosa é a exceção.
Digo comprometimento político pois a obra é baseada em um livro chamado Push escrito pela americana Sapphire, uma ex-professora e ativista que alega ter escrito em Preciosa a história de diversas garotas que conheceu e que sofreram abusos semelhantes.

Há também no filme a retratação de assistente sociais, minha futura profissão, e confesso que diversos aspectos da abordagem da profissional Weiss, junto a sua “usuária” me chocaram, entretanto, isto pode ser apenas fruto da percepção do diretor acerca da profissão. Afinal imaginar que pessoas como Preciosa precisam se dirigir a um cubículo sem privacidade para expor situações extremas de sua vida, e ainda ouvir da profissional que “Se você quiser o cheque então terá que falar!” é no mínimo... bom, acho que não deve ser tão incomum assim.
O filme também conta com a participação da cantora Mariah Carey, que recebeu um prêmio como atriz revelação, embora ela já tenha atuado antes (Glitter? Alguém se arrisca?). Ao receber o prêmio ela fez um discurso alcoolizada e agradeceu a oportunidade de atuar no filme ao diretor.
Sim Mariah, você finalmente atuou, mas não esquecemos Glitter!
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