
Uma das coisas que mais gosto de fazer em minha cidade é visitar Sebos em busca de alguma raridade e livros com preços mais acessíveis. Não me lembro exatamente quando comecei a freqüentar sebos como apreciador de literatra, mas sei o que me levou a eles.
Eu e um primo estávamos tentando fechar Resident Evil 3 Nemesis e não conseguíamos passar do relógio com o som da caixinha musical na Torre de jeito nenhum. Parecia impossível. Então um conhecido meu disse que eu deveria ir até um Sebo e tentar comprar uma revista de vídeo game por lá. Juntei dinheiro e descobri um Sebo em minha cidade (Sebo que ainda freqüento). No local perguntei a proprietária onde estavam as revistas de vídeo game. Percebi de imediato uma pilha de livros no balcão, ao lado uma mulher parecia estar vendendo os livros.
“Vocês compram livros usados?”
“Compramos, trocamos e vendemos.”
Assim que encontrei uma revista que abordava RE3 a comprei e fui embora. No caminho para casa fui pensando “eles compram livros usados, eu tenho livros em casa, ninguém os lê...” uma coisa levou a outra. Eu era um garoto de 13 anos que não recebia mesada, não trabalhava e a maior quantia de dinheiro que já havia possuído era retirada de um cofrinho repleto de moedas roubadas de toda a família.
Alguns dias depois eu estava Sebo, coloquei em uma mochila todos os livros da Agatha Christie que uma vizinha havia me dado no dia em que limpei a garagem dela (sera que as pessoas realmente pensam que é um bom pagamento para um garoto livros policiais?), todos os livros do Paulo Coelho que minha irmã havia tentado ler nos últimos anos (eram dois ao total) e algumas revistas “de putaria”, como minha avó dizia, que um tio havia me dado para eu utilizar quando crescesse mais.
A mochila estava pesada, a joguei no balcão e fiquei olhando para ela, me sentia orgulhoso por estar fazendo uma negociação com um adulto.
“Seus pais sabem que você esta vendendo isso?”
“Os livros são meus.”
“Mas eles sabem?”
“Não...”
“Certo.”
Ela se voltou para os livros e fez alguns cálculos e chegou a um número impublicável ( por ser muito baixo e por não me lembrar dele.)
“Só?!”
“Sim, mas se você quiser pode voltar pra casa com eles. A mochila esta pesada não é?!”
A estelionatária dos livros tinha razão. Peguei o dinheiro e no dia seguinte comprei um livro novo da linha Daemon de RPG, se eu não me engano era Trevas 2ª edição, foi um dos melhores dias de minha vida. Devorei o livro quando cheguei em casa. Dois dias depois minha vó perguntou sobre os livros da estante.
“Eu doei.”

Algumas semanas depois continuei com meu joguinho sujo, pegava livros em uma estante abandonada de minha avó e os vendia. Era pouquíssimo dinheiro, mas eu já conseguia sustentar minha necessidade de revistinhas de RPG, dados especiais e cartas de Magic.
Um dia porém os livros acabaram...
Alguns meses depois, enquanto fazia um trabalho sozinho na biblioteca municipal fiquei pensando em quantos livros haviam lá. Eu era um freqüentador assíduo do local, conhecia os horários, as saídas para o cigarrinho, as ligações que nunca se encerravam e os locais onde o campo de visão dos funcionários ficava obstruído. E assim comecei minha curta, porém proveitosa carreira de traficante de livros.
O esquema era simples. Ir até a biblioteca, começar a fazer um trabalho e esperar até as 14 da tarde. Neste horário havia a troca de funcionários e Bernardete saia sempre quinze minutos antes de Lucia chegar, dessa forma Clarice ficava sozinha no local. Colocava diversos livros em minha mesa, chamava Clarice e pedia para que ela me localizasse um livro (que eu habilmente havia anteriormente escondido em um local próximo de onde deveria estar, o suficiente para demorar a encontrá-lo) quando ela ia eu colocava dois dos livros de minha mesa na mochila. As 16 horas o café começava, elas se sentavam em uma mesa onde não era possível me observar, mais alguns livros iam para minha mochila...
Em casa arrancava todas as páginas que levavam o selo da biblioteca cuidadosamente e no dia seguinte comparecia ao Sebo.
Um dia esqueci de arrancar um selo e a proprietária o viu
“Isso é da biblioteca”
Eu gelei, pensei por uns cinco segundos.
“Que alívio, ele estava ai! Preciso entregá-lo hoje, obrigado por encontra-lo.”
Alguns meses depois instalaram espelhos na biblioteca, meu esquema não daria mais certo.
Alguns anos se passaram, eu comecei a trabalhar como estagiário em uma empresa de cobrança e um dia caminhando por Florianópolis encontrei um Sebo, entrei e comprei revistas usadas de cinema. Na época eu colecionava uma revista chamada SET. Alguns meses depois perdi o emprego, e como precisava de dinheiro para viajar vendi algumas revistas e (me dói falar sobre isso) uma edição nova do Senhor dos Anéis que eu havia comprado após assistir ao primeiro filme.
Anos depois entrei na faculdade e comecei a freqüentar sebos para comprar livros da minha área e literatura também.
Hoje tenho uma coleção invejável. Já estive em sebos de diversas cidades, incluindo um de Madri que parecia uma verdadeira Torre de Babel. Graças a Sebos tenho quase todos os livros de José Saramago, 5 livros de Cristovão Tezza, outros de Kafka e alguns clássicos. Atualmente, meu tesouro, que será também um presente para o Sr.Paco é um livro de poesias, publicado em espanhol no ano de 1897 impresso em Paris. Essa preciosidade me custou 2 reais. Fico imaginando o que a pessoa que o vendeu pensou quando o fez: “Espero que a minha mãe não descubra...ei aquilo é o novo livro do Harry Potter!!”
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